segunda-feira, 22 de junho de 2015

Férias atribuladas

"Vamos de férias", digo-lhe . Assim que as aulas terminem . Só nós, e os miúdos. E amigos dos miúdos . Dois carros cheios. 
A primeira semana só de mulheres . Eu , ela, a minha filha, as duas dela . E duas amigas. À segunda  semana juntamos mais dois. O meu e um amigo. Quatro são nossos . Os meus dois. As duas dela . Os três restantes são amigos. Sete miúdos, para duas. Fácil . 
Dia 1- uma das amigas, com um febrão brutal. Vá de brufen. 
Dia 2- sou picada na praia por uma vespa. Sacana da filha de um ganda vespão, que aquilo doi como tudo.
Dia 3 - a garganta da amiga evidência uma amigdalite jeitosa. Uma ida ao hospital e um antibiótico prescrito. Uma das filhas da minha amiga fica com febre. 
Dia 4- resguardam-se as doentes, ora em casa, ora debaixo do chapéu de sol ( felizmente um valente chapéu, tamanho xl).
Dia 5- a minha filha é picada por um peixe aranha. Não a via chorar assim desde que era bebê . O nadador salvador já me conhece, desde a picada da vespa, e trata dela com muito jeitinho ( todas as outras amigas, quase desejam  uma picada semelhante, já que o rapaz é giro como tudo ).
Dia 6- a amigdalite da amiga piora consideravelmente, nova ida ao hospital, novo antibiótico. Uma "bomba" de uma toma só, e a promessa da recuperação em dois dias. A miúda não aguenta aquilo no estômago e vomita um bocado. Tentamos avaliar o tamanho do " bocado", e rezamos para que o restante surta efeito. 
Dia 7- a outra amiga, acorda sem conseguir abrir os olhos. Inchados. Muito inchados. Sem razão aparente. Fazemos uma consulta via telefone com um médico amigo. Fica resguardada do sol. 
Dia 8- a outra filha da minha amiga acorda com febre. 

Dos nove intervenientes destas férias, .  há três a quem ainda não lhes " tocou" nada. Mas calma, que ainda temos quatro dias pela frente ...

sábado, 20 de junho de 2015

Descanso

Olho à minha volta . Olhos semi cerrados, o sol aflige-me. Tento habituar-me à claridade -  não posso estar sempre de óculos escuros, que já consigo visualizar as marcas do sol, a face bronzeada , a pele circundante aos olhos, mais esbranquiçada. Olho à minha volta . Vejo grávidas . Muitas grávidas . Mulheres prenhas, exibindo barrigas imponentes e umbigos prestes a explodir . E muitas mães. Já efectivas, com filhos cá fora, bebês pequenos, crianças pequenas, crianças crescidas. Lembro-me da notícia que li ontem, assim na diagonal, de que as estatísticas indicam que o nosso país está cada vez mais velho. Por cada cento e quarenta idosos, cem crianças. Este país não pode estar velho. Esta praia não é de velhos. Até onde a minha vista alcança não consigo vislumbrar nenhum, embora saiba que aos olhos dos meus filhos se encontram dezenas. 
O sol escalda-me, e olho para as miúdas. Levanto-me em preguiça, e dou uma esguichadela de spray nas costas de cada uma . Estão alinhadas, as cinco - quais frangos na grelha de um churrasco. Espalho o protector deixando resticios de creme branco sem que se apercebam. Sei que não gostam, mas ao comentário da minha ( " nunca me lembro de seres tão chata com o protector" ) respondo com as estatísticas de cancro de pele cada vez mais altas. As estatísticas. Sempre as estatísticas. Volto a deitar-me em preguiça . Uns metros à frente, um casal com duas crianças. Não descansam em preguiça, e olho-lhes os movimentos. A mãe emborca um biberon de leite na boca do bebê, enquanto o pai muda a fralda cueca do mais velho. Fralda mudada , sentados debaixo do chapéu, o pai abre o jornal depois de dar uns brinquedos ao filho. Pensa " entretém-te aí um bocado" - imagino. A criança não se entretém, num ápice abandona a sombra. A mãe, empunha o bebê ao colo, dando-lhe pancadinhas nas costas. Intervalado com as pancadinhas, com um só braço, pega numa lancheira que entrega ao marido, olhos postos no jornal. " o Afonso, o Manel, o Gonçalo, ou quiça o Zé Maria, tem fome " - imagino que lhe diga. O pai dobra o jornal, mal dobrado, páginas desalinhadas e já cheias de areia, pega no Afonso, no Manel, no Gonçalo ou quiça no Zé Maria, senta-o de novo à sombra, e articula colheradas de iogurte pela boca do filho. Uma mão de areia furtuita apimenta o iogurte - os ânimos. O pai zanga-se, levanta-se, procura qualquer coisa no saco gigante que imagino que carregou a custo, e enfia o iogurte inacabado num saco de plástico. A mãe deita o bebê no colo, depois de um arroto imponente - quase que o consegui ouvir. 
O pai desdobra o jornal, tenta alinhá-lo, as folhas estão tesas do sol, não se alinham . O miúdo chora, levanta-se, o pai ralha, a mãe faz pchiu, o miúdo quer ir chapinhar no mar, o bebê quer dormir - imagino. 
O pai olha na minha direção, baixo a cabeça. O sol escalda-me as costas,  desafio as miúdas para um mergulho. Enquanto me levanto, vejo as folhas do jornal, cada vez mais desalinhadas, o pai gesticula um qualquer ralhete ao miúdo, o bebê esperneia com calor - imagino. 
A mãe está impaciente, agarra no jornal, agora transformado em dois, enfia-o no saco gigante com algum vigor, o pai arranca em passo acelerado com o Afonso, o Manel, o Gonçalo, quiça o Zé Maria de braçado, em direção à água. 
A mãe, uma rapariga para a minha idade - penso se devo deixar de dizer "rapariga", de cada vez que me lembro de ouvir o meu avô " vou jogar às cartas com os rapazes ". Um dia, estranhando a disponibilidade daqueles rapazes da minha imaginação, para jogarem às cartas com um homem de quase nove décadas completas, perguntei quantos anos tinham os rapazes. " são todos rapazes aí para a minha idade" respondeu-me - de barriga ainda proeminente de um parto recente, ajeita melhor o bebê na sombra, deita-se a seu lado, vai descansar um pouco - adivinho-lhe o cansaço, enquanto  caminho para o mar. 
O descanso é breve, quase instantâneo. O pai cruza-se comigo, o Salvador - ouço-o agora, enquanto reclama com o filho, as mãos cheias de areia nos olhos - chora, aflito, e pede a mãe. 

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Duplamente orgulhosa

O miúdo liga-me " mãe , tenho excelentes notícias !" . Adivinho-lhe no entusiasmo, as notas escolares . Os olhos enchem-se-me de lágrimas. Não só porque me emociono por dá cá aquela palha, não só porque as notas foram melhores do que o previsto, mas porque estou de férias com a miúda, sem ele, porque ele assim o desejou, e porque cedi à sua vontade, e porque me custa. 
Dou-lhe os parabéns com a voz embargada, e aproveito para o relembrar que apesar de ter tido apenas dois " três "o resultado poderia ter sido melhor, e que para o ano terá de se esforçar mais. Sou uma pica miolos, mas com ele tenho de ser pica miolos quase a tempo inteiro. Diz-me que teve tudo o resto " quatro" e nota cinco e educação física e educação visual. Dá uma gargalhada. Gargalho com ele. Nota máxima a educação visual  é no mínimo ridículo, ele que não tem jeitinho nenhum para aquilo. Ele que tem sempre os trabalhos em atraso. Ele que tem um traços ao nível de um miúdo da primária. Mas o professor organiza um torneio de futebol inter turmas, e nessa organização ele deve ter sido talvez o mais interessado em colaborar. Oiço-o feliz, e penso que este miúdo tem sorte, porque é assim, meio desleixado, meio esquecido, meio aplicado, meio falador, meio distraído ( ou muito, tudo ), mas tem uma capacidade natural de cativar as pessoas. 
De seguida, recebo sem surpresa as notas da miúda. Ela que se empenhou, esforçou e trabalhou muito. A média de quinze não é brilhante, principalmente para quem não sabe ainda o que seguir concretamente ( embora continue a ambicionar algo na área da saúde ), mas é o suficiente para me deixar orgulhosa porque foi conseguida com esforço e dedicação. 
A minha amiga, que está de férias comigo, também recebe as boas novas, sem surpresa. As duas filhas, na mesma turma dos meus, no topo da lista como melhores alunas. 
" vamos comemorar" diz-me. 
Ainda que sem o miúdo, mas com as miúdas e as amigas delas que 
trouxemos, saímos para o brinde. Duplamente orgulhosas. 

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Voltei, voltei

Andei arredada daqui . 
Pela falta de tempo , ou porque simplesmente , não me apetecia . Às vezes sou assim . Arredo -me de certas coisas , mesmo daquelas que gosto , porque preciso , porque tenho essa necessidade . Depois regresso , como se nada fosse , como se tempo algum tivesse passado , desse arredo natural e propositado . Volto , porque lhe sinto a falta , ou tão só , porque me apetece . 
Hoje , voltei.
Porque me apeteceu , e porque senti falta . 
E escrevi palavras soltas , aquelas que me apeteceram no momento , através das curtas teclas do ecrã do meu telemóvel ( isto não são teclas , é apenas um vidro táctil ), e depois irritei-me , porque me irritam as tecnologias , e não conseguia alinhar o texto, e não conseguia alterar o tipo de letra ( embiquei com o arial, como quem embica com um único par de jeans, apesar das dezenas que permanecem renegadas no roupeiro porque não caem tão bem , quanto aquelas ), e não conseguia anexar uma foto, e logo agora , que de férias, uma pessoa até podia postar umas paisagens jeitosas ( que fica sempre bem ).
E depois das curtas palavras , que fui despejando ao acaso , senti falta de visitar todos os reinos vizinhos que visito regularmente . Senti falta da Uva, que às vezes me dá as notícias do dia , mesmo antes de as ver noutros meios de comunicação social , senti falta das incursões ao supermercado da Linda Porca , senti falta das frases poéticas da Maria Eu, senti falta da L das horas e de saber como está, da Sci, da Alice, da São e de saber o que anda por aí a experimentar, das Ninas, da Gaja Maria e suas pedaladas , da avó Gi, da Vania, e de tantos outros reinos, que acompanho como se fôssemos amigos , ainda que não lhes conheça a cara, ainda que tenha levado anos , relutante em relação a este mundo, que é o virtual ( passinhos pequenos , na tecnologia que tanto me irrita ). 
Depois tentei. Bem ditos três euros para passar os míseros duzentos megas a um fantástico giga, e vamos a isto - pensei. Depois a rede não é fantástica. E uma pessoa fica a olhar para a linha no topo do ecrã, enquanto o sol lhe escalda as costas. E a linha chega ao fim . E uma pessoa tenta ler, e amplia o ecrã , não que tenha falta de vista , que isso já me avisaram que é a partir dos quarenta , e os meus são ainda frescos como uma alface ( embora pensando bem , daqui a nada já vou no enta e um, que os meses passam a correr, e já lá vai meio ano, desde essa entrada na ternura dos entas), mas porque o ecrã é efectivamente pequeno, porque o sol é efectivamente ofuscante, porque a net voltou a ficar lenta, e porque , afinal de contas estou na praia e não se pode exigir mais. Então desisti. Agarrei no livro , aquele em papel, tecnologia do antigamente , e debrucei-me sob ele, deixando os reinos vizinhos para o meu regresso. Que é daqui a quinze dias.  E passa num abrir e fechar de olhos, que o que é bom, acaba-se depressa. 
Agora chega. Vou ali dar um mergulho para comemorar os meus passinhos pequenos na tecnologia. É que no entretanto , além de escrever um post via telemovel  , também já descobri como postar fotos . Um viva para mim . 

Não é para meter inveja , mas estou mesmo é de férias

Esta rainha estava cansada.
Cansada da época de testes escolares dos miúdos , da miúda fechada no seu casulo, a dar o litro nesta recta final, do miúdo a fazer tudo , menos fechar-se no seu casulo, a dar meio decilitro nesta recta final. Das minhas tentativas ( tantas vezes goradas) de o fazer ver que um último esforço valia a pena , que a vida se faz de esforço , de empenho , e não só no futebol.
Esta rainha estava cansada de se desdobrar entre idas a dois campos de treinos, à escola de dança , ao inglês , ao supermercado , do pó, do aspirador , do ferro, da roupa que está seca há três dias, que ninguém apanhou e que está tesa que nem carapau ( um carapau seco e teso entenda-se) . Esta rainha estava cansada de tachos e panelas , e de pensar na ementa do hoje e no menu de amanhã, e no que tinha ficado por fazer no escritório , para o dia seguinte.
Vai daí, esta rainha cansada encheu o carro de mantimentos e de miúdas , e embarcou numas ferias . O miúdo ficou para um último torneio de futebol , e há-de chegar nos próximos dias. As notas , essas , conquistadas com esforço, barra, pouco esforço , hão de chegar lá mais para o fim do dia , via sms. Esta rainha estava cansada , e recupera agora na areia de uma praia.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Conselho do dia (vale o que vale)

Dos meus arrumadores de carros de há anos, a quem confio o carro todo o dia,  sei um pouco da história de cada um. São três. E as histórias são idênticas. Estiveram os três presos. Mais do que uma vez. Uns, mais anos do que outros. Dois deles em lisboa. Um deles experimentou uma prisão em Itália. Todos, pelas mesmas razões. Roubo, tráfico. Dois deles foram toxicodependentes "oh Dona, eu agora é só ganzas. Drogas duras já não.". O outro, nunca foi dependente "oh Dona, então se eu vi a minha mãe morrer com a idade que eu tenho hoje, trinta e um anos, com um cancro pelo corpo todo, mas agarrada às drogas, acha que eu ia meter-me nisso?". Dois deles têm duas filhas, o outro não experienciou ainda a paternidade. Vivem todos na rua há anos. Muitos anos. Todos tiveram pais dependentes (álcool e drogas), todos sofreram violência física por parte dos mesmos.
Um deles hoje, queixava-se dos pais, da negligência que tiveram perante uma serie de filhos, da violência do pai bêbado, e de nunca ter conhecido os padrinhos. Todos tinham padrinhos, menos ele. E isso, ele não perdoava.
 
- Oh Dona, se eu tivesse tido padrinhos, podia ser que eles me dessem conselhos, que me tivessem orientado para a vida. Conselhos. Às vezes é bom ouvir conselhos. Por exemplo, chateei-me ali com o Zé - um dos outros arrumadores - porque muitas vezes que lhe peço conselhos, e ele só me diz para ler um livro. E não é esse conselho que eu preciso de ouvir. Então agora vou enfiar a cabeça num livro?
 
Perguntei-lhe se tem visto as filhas.
 
- Não Dona. A mais velha que tem dez anitos, nunca a vejo. Porque vive ali para os lados da Amadora.
- Da Amadora? Então, mas a Amadora é já aqui ao lado...
- Pois Dona, mas há outras coisas... A mãe dela também não deixa, e quando eu ligo, só me pede dinheiro. - Mostra-me a fotografia da filha.
- É linda - digo-lhe - Então e a outra?
- A outra vejo-a quando me apetece, e ligo-lhe de vez em quando. Mas por exemplo, ainda ontem lhe liguei, para irmos àquela loja da Primark, no Colombo, sabe? E ela disse-me que preferia ir ao Vasco da Gama ao MacDonald's. Eu disse-lhe que não. Então tinha que a ir buscar lá abaixo, depois ir para a Expo, e depois vir outra vez? Não dava! - Mostra-me a fotografia da mais pequena.
- É linda. Mas olha, devias fazer por ver as tuas filhas mais vezes. Faz um esforço. Pensa assim: se és tão revoltado por achares que os teus pais não te deram conselhos, por não teres tido padrinhos para te darem conselhos, pensa que um dia mais tarde, as tuas filhas podem vir a ser revoltadas por terem tido um pai ausente, que não lhes deu conselhos. Pensa que se tu precisavas disso, ela também irão precisar. E ainda vais a tempo.
- Oh Dona, 'tá a ver? Isso é um bom conselho. Isso é um conselho que eu aceito de bom grado.
- Pronto, isto é o conselho do dia. Vê o que é que fazes com ele. Outro dia, há mais.
- Obrigado Dona. A sério. Obrigado.